RS tem média de um crime contra idoso a cada três horas desde o início do ano
A descoberta de uma clínica geriátrica clandestina em condições insalubres no município de Taquara, no Vale do Paranhana, evidenciou mais uma vez os crimes aos quais os idosos estão expostos. O episódio despertou a atenção na última semana, mas não se trata de fato isolado. De janeiro a setembro deste ano no Rio Grande do Sul foram registrados 2,4 mil crimes contra pessoas acima de 60 anos – a média é de um caso a cada três horas. Entre esses delitos, os maus-tratos aumentaram 4,7% no comparativo com o mesmo período do ano passado.
Nos primeiros nove meses do ano foram registrados 812 casos de maus-tratos contra idosos no Estado — são 37 a mais do que de janeiro a setembro de 2022. Segundo a titular da Delegacia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre, delegada Ana Luiza Caruso, parte desses registros chega à polícia por meio de denúncias por parte de vizinhos ou de outras pessoas que não querem se identificar. Os idosos muitas vezes não conseguem pedir ajuda e denunciar a situação.
— Por mais que não esteja bem, que esteja sofrendo maus-tratos dos parentes, o idoso fica com medo de precisar sair dali, onde é a casa dele, de ser colocado em uma geriatria pelos parentes, e acaba aceitando a situação — explica a delegada.
Entre as práticas consideradas maus-tratos, estão, por exemplo, privar os idosos de ter acesso aos direitos básicos, como alimentação, convivência com a família e remédios, além de outros tipos de violência, como xingamentos, ofensas em razão da idade e até agressões. O abandono por parte dos familiares, segundo a delegada, não é incomum, e também configura crime. Para aqueles parentes que recorrem às clínicas, a policial orienta que sejam adotadas medidas de precaução.
— As famílias têm que se informar sobre a clínica, ver se possui alvará de funcionamento, se está limpa, conversar com parentes de pessoas que estejam internadas. Depois que o idoso estiver lá, fazer visitação, fiscalizar o tratamento. Há muitos casos em que os familiares não querem visitar que o idoso não as reconhece mais. Mas se não visitar não sabe se estão trocando fralda, se o idoso está comendo direito, tomando remédios — afirma.
Golpes
Outro crime bastante comum que tem como vítima os idosos são os estelionatos. É o caso, por exemplo, do conhecido conto do bilhete premiado, que segue gerando prejuízos. Os golpistas enganam as vítimas, fazendo com que ela acredite que receberá um montante em dinheiro. Durante a trapaça, desaparecem com os valores entregues pelo idoso. Outro golpe bastante comum envolve a contratação de empréstimos sem que a pessoa saiba.
— A orientação é sempre desconfiar de propostas vantajosas. As vítimas acham que vão ganhar alguma coisa e acabam sendo enganadas. Outra dica importante é olhar de forma constante o seu extrato bancário — explica Ana Luiza.
A apropriação indébita dos bens do idoso é outro crime que está entre os mais cometidos. Em muitos desses casos, as vítimas são pessoas que acabam deixando suas contas bancárias e bens sob administração de um familiar ou de cuidadores. Há registros, por exemplo, de familiares, como filhos ou netos, usuários de drogas, que acabam usando os recursos dos idosos para isso, e deixam as vítimas até mesmo sem remédios ou alimentos.
Cuidadora investigada
Na semana passada, a polícia descobriu um caso no qual uma mulher é suspeita de ter retirado cerca de R$ 300 mil de duas idosas que estavam sob sua responsabilidade. As vítimas, de 88 e 85 anos, são duas irmãs que residiam no Centro Histórico e no bairro Menino Deus. A mulher, que mora na zona sul da Capital, teria se aproveitado, segundo a polícia, do acesso às contas das idosas para retirar valores.
— A cuidadora mobiliou a casa dela, comprou joias — diz a delegada.
O caso passou a ser investigado depois que um familiar desconfiou porque as contas da moradia das idosas, como água e luz, não estavam sendo pagas. Ao verificar a situação no banco, a família descobriu que havia uma movimentação financeira suspeita nos últimos três meses. Os policiais conseguiram apurar uma série de saques que teriam sido realizados pela cuidadora. A mulher teria acesso aos cartões porque era a responsável por fazer as compras no supermercado para as idosas.
As quantias teriam sido retiradas das contas nas quais as idosas mantinham as economias. A polícia cumpriu mandado de busca na casa da suspeita e encontrou itens que teriam sido adquiridos com os valores. A mulher chegou a alegar que tinha adquirido os produtos para elas. Ao obter imagens de câmeras da movimentação da investigada, a polícia descobriu que ela chegou a comprar até mesmo piercings com os valores.
Na Delegacia do Idoso, a suspeita, que segue sob investigação pelo crime de apropriação de bem de idoso, preferiu permanecer em silêncio. As idosas foram levadas de Porto Alegre por familiares para outro Estado.
— São vários casos que temos assim, de pessoas que ficam com o dinheiro do idoso. E acabam usando para outras coisas — afirma a delegada.
Ofensiva
Tanto o caso da clínica de Taquara como o da cuidadora investigada em Porto Alegre estão dentro do escopo da Operação Virtude. A ofensiva nacional é desencadeada no mês de outubro. Neste período, têm sido intensificadas as ações contra esse tipo de crime, que tem como vítimas pessoas idosas.
Busque ajuda
Se você for uma vítima ou conhece algum idoso nesta situação, pode procurar auxílio nos seguintes canais:
- Disque 100, dos Direitos Humanos
- Telefone 197, da Polícia Civil
- WhatsApp (51) 98444 0606, também da Polícia Civil
- Telefone 181, da Secretaria da Segurança Pública
- Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso — no Palácio da Polícia, na Avenida Ipiranga, 1.803, bairro Santana, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h
Contraponto
O advogado Jean Severo, que representa os proprietários da clínica geriátrica interditada em Taquara, nega que os clientes tenham cometido esse tipo de crime contra os idosos que eram mantidos no local.
— A clínica teve sempre um bom funcionamento. Inclusive temos fotos e materiais que vão ser juntados ao inquérito, assim que tivermos acesso. Eles se consideram completamente inocentes. Essas denúncias são falsas — disse o criminalista.
Fonte: GZH.