ENDIVIDAMENTO IMPEDE SEMEADURA DA NOVA SAFRA E GERA SITUAÇÕES DRAMÁTICAS NO CAMPO
Depois de sofrer severas perdas por estiagens nos últimos anos e ver a lavoura de soja ser engolida pelas águas em abril e maio, o produtor rural Celso Müller, de Canguçu, não tem esperança de plantar uma nova safra. Sufocado por dívidas com bancos e cerealistas e sofrendo cobranças pelo arrendamento de terras, o produtor chegou a ficar internado 40 dias, com depressão. Ele está com o nome negativado, deve cerca de R$ 4 milhões e não tem condições de comprar insumos para a nova safra. “Além de perder o crédito, tinha amigos que eram avalistas e acabamos perdendo eles também”, desabafa.
A realidade de Müller se espalha pelo campo gaúcho e deve reduzir a área plantada na safra de verão. O agricultor cultivava em torno de 520 hectares, sendo apenas 52 hectares de terras próprias. Os bancos foram autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) a prorrogar para 15 de outubro o vencimento das parcelas de principal e juros das operações de crédito rural de custeio, investimento e industrialização, vencidas ou vincendas, entre 1º de maio e 14 de outubro.
A medida vale para empreendimentos localizados em municípios gaúchos com decreto de situação de emergência ou de estado de calamidade pública até 31 de julho por conta das enchentes de abril e maio. “De que adianta ter prazo se não tem crédito?”, questiona Müller, que está sofrendo de depressão e contratando advogados para se proteger de ameaças e evitar que os credores apreendam seu maquinário.
SOS Agro
A realidade de Müller é compartilhada por outros produtores que integram o SOS Agro RS. Um dos coordenadores do movimento, Lucas Scheffer lembra que, durante a Expointer, alertou que parte do agro gaúcho iria quebrar se não houvesse medidas de socorro do governo federal. Scheffer afirma que houve muitas promessas.
“Se viesse do jeito que foi prometido ia salvar a grande maioria para conseguir plantar. Só que a dívida do agro é em torno de R$ 30 bilhões, R$ 35 bilhões e o governo federal está falando em R$ 4 bilhões para todo o Estado. O que eu falei lá na Expointer vai acontecer. Dia 15 vai estourar tudo, e vai quebrar de um jeito que não tem mais volta”, desabafa.
Scheffer diz que o impacto econômico da falta de condições para a implantação da nova safra será grande. “O que aconteceu na enchente de maio não vai ser nem perto do que vai acontecer agora. Acredito aí que de 30% a 40% dos produtores não vão conseguir plantar”, estima. Ante o cenário difícil, o SOS Agro tenta mobilizar a classe política. O movimento criou um grupo no WhatsApp com a bancada federal gaúcha e tem cobrado posicionamentos e ações junto ao governo federal.
Medidas insuficientes
Nos últimos dias, às vésperas das eleições, deputados e senadores silenciaram, apesar das cobranças. Nesta semana, os integrantes do SOS Agro RS começaram a enviar um documento aos senadores gaúchos relatando a situação, explicando que a proposta do governo federal de prorrogação de dívidas por quatro anos para agricultores com recursos controlados e descontos por CPF, conforme as perdas, são insuficientes.
O SOS destaca que os ministros Carlos Fávaro (Agricultrura), Paulo Pimenta (então da Reconstrução do RS) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) anunciaram uma linha de crédito do BNDES com prazo de pagamento de 8 a 10 anos, juros entre 8 e 10%, e carência de um ano, além de Fundo Garantidor de Crédito para atender produtores em limites de crédito no sistema financeiro e a promessa foi a desnegativação dos CPFs de agricultores.
“Essas promessas não se concretizaram. O Fundo Garantidor não oferece as garantias esperadas, e as instituições financeiras continuam a exigir garantias rígidas. A linha de crédito do BNDES, embora formalmente implementada, carece de recursos efetivos, e o projeto de desnegativação de CPFs foi votado e sancionado, mas não teve efeito prático”, salienta o documento.
Conforme o SOS Agro RS, a expectativa criada pelos anúncios ministeriais gerou ansiedade entre os agricultores. “Estamos em outubro, mês do plantio do arroz e da soja, e os agricultores estão endividados e sem recursos”, frisa. O movimento informa que haveria 60 mil operações vencendo no Banco do Brasil no dia 15, sem que haja solução prevista. “Precisamos urgentemente de uma solução, a aprovação pelo Senado do PL 1536/2024 antes do dia 15, para evitar que os agricultores enfrentem restrições ainda maiores do que as causadas pelo desastre climático de maio”, finaliza.
Fonte: Correio do Povo.